O Menino Manuelzinho I

Meus caros amigos,
Hoje venho-vos falar de uma pessoa especial: o menino Manuelzinho!
Como éramos amigos...
Que me desculpem os meus maiores amigos de agora - e graças aos deuses que tenho vários! -, mas o menino Manuelzinho foi, sem dúvida, o meu melhor amigo, até aos meus doze, treze anos.
Andávamos sempre juntos e só nos separávamos à noite quando íamos para a cama. E, mesmo assim, por vezes, ainda sonhava com ele, e penso que ele também sonhava comigo.
Ele era muito mais esperto e corajoso do que eu e, por isso, era sempre ele quem tinha as ideias para as nossas brincadeiras. Eu é que às vezes lhe dizia que não brincava a certas coisas, com receio que os meus pais ficassem aborrecidos comigo. Aí, nessas ocasiões, ele ficava furioso e chamava-me medricas, menina e outros nomes, mas, passado um bocado, já não estava zangado e surgia-lhe outra ideia para outra brincadeira.
E como ele tinha ideias e que ideias!
Um dia, propunha-me que brincássemos ao Tarzan, como tínhamos visto nos filmes, nos cinemas Rex ou Olímpia, lá longe, em Moçambique, na cidade da Beira e, assim, trepávamos a todas as árvores do Jardim do Bacalhau, saltando de ramo em ramo.
Outro dia, dizia-me para atirarmos para o chão todos os gatos que se tinham refugiado dos cães nessas árvores, para os vermos a bufar e a lutar com eles. Coitada da minha gata Zoé, que se não fossem os hóspedes da Pensão Leão de Ouro acorrerem aos gritos aflitos da minha mãe e afugentarem os cães, tinha morrido... mas, mercurocromo aqui, sulfamidas ali, sopinhas de leite dadas pela minha mãe e uns dias de convalescença e lá de safou. Ela que até me vinha lamber o queixo, quando eu fingia que choramingava com alguma palmada da minha mãe!
Noutro dia ainda, o meu amigo lembrou-se de fazer negócios, e eu troquei a lanterna de caça do meu pai e o respectivo cinto com a caixa das pilhas, por uma carruagem de comboio de lata e dois ou três berlindes coloridos.
O menino Manuelzinho andou comigo de trotineta e de patins no ringue do Jardim do Bacalhau e fizemos as coisas mais perigosas que possam imaginar nos baloiços que, chegar ao fim do dia vivos, era já um milagre...
(continua!)
Manuel Palhares
Odivelas, 18 de Setembro de 2008.