Do Largo do Município até à Praça da Índia - I
1.ª Parte
Meus caros amigos,
É quase meia-noite e estou-vos a escrever do meu quarto, no Hotel Embaixador, e embora cansado, sinto-me muito feliz. Acabei de regressar ao hotel, depois de uma volta nocturna pela cidade da Beira, em Moçambique. Mas é melhor começar pelo princípio e contar-vos tudo direitinho.
Chegámos esta tarde à cidade da Beira, capital da província de Sofala, em Moçambique e estamos todos hospedados no Hotel Embaixador. Somos um grupo enorme e viemos de todas as partes do mundo, numa grande excursão organizada a partir de Portugal, para uma romagem de saudade à terra que nos viu nascer e crescer. Trouxemos connosco mulheres, filhos e netos para que - principalmente os filhos e os netos - possam ver, in loco, a terra de que lhes temos falado até à exaustão e sobre a qual eles não compreendem lá muito bem a razão de tanto amor e tanta saudade. Depois do jantar, aqui no Hotel, fomos todos tomar o café ao Capri e resolvemos, nesta nossa primeira noite na Beira, que iríamos todos a pé, dar um passeio pela Avenida da República acima, até à Praça da Índia. A noite estava e ainda está espectacular, com uma lua cheia que nos recebeu em todo o seu esplendor e deitou sobre nós a sua maravilhosa luz prateada.
Acabado o café e deixado o Capri, atravessámos o Largo do Município e, com o edíficio do antigo Hotel Avenida à nossa esquerda e com a Câmara Municipal à nossa direita, de costas para o Largo do Município, lá fomos, devagar, para podermos apreciar o que já não víamos há muitos anos. Tomámos o passeio do lado esquerdo, por baixo do antigo Hotel Avenida - onde mais tarde funcionou a Messe da Polícia - e, numa grande algazarra e acaloradas mas bem dispostas discussões, tentámos recordar o comércio que no nosso tempo havia por ali, de um lado e outro da rua: A Loja da Esquina que vendia bronzes indianos, o Café dos Bilhares, a Florista, as instalações do Comissariado da Polícia, o Cabeleireiro, a Farmácia Neto, a Farmácia Internacional, a Pastelaria Lamecense, uma Alfaiataria de que já ninguém se lembrava o nome, a Livraria Nacional, a Casa de Compra e Venda de Imobiliários Carraça, uma Loja de artigos vários, por cima da qual havia uma Casa Regional que dava uns bailes muito concorridos e onde os moanas como eu iam dançar com as lindas moanitas da altura, a loja dos Leilões Eusébio, a Funerária Fragoso e, finalmente, onde a Rua Jaime Ferreira conflui com a Avenida da República, uma loja de artigos chineses, do nosso amigo e ex-colega na Escola António Enes, o Kock June. Os flashes das máquinas fotográfias e as luzes das câmaras de vídeo não paravam de piscar e de acender. A excitação, a boa disposição e a alegria eram muitas e nalguns olhos tremiam as lágrimas.
Feita a curva para a esquerda e com a Rua Jaime Ferreira já nas nossas costas, pudemos recordar, à esquerda, as antigas instalações dos Serviços Geográficos e Cadastrais e, um pouco mais à frente, o local da antiga Residência do Governador Civil, a qual ocupava todo o quarteirão e que uns anos mais tarde funcionou como as primeiras instalações da Escola Comercial e Industrial Freire de Andrade, até que um incêndio a destruiu. Aí, nesse local, encontrámos o primeiro cruzamento desde que começámos o nosso passeio. Para a esquerda avistámos o edifício da Sofer, na esquina da Rua Correia de Brito e a seguir o Hotel Central dos pais do nosso amigo e ex-colega de escola e liceu Evo Fernandes, infelizmente assassinado a tiro, na região da Grande Lisboa, em circunstâncias que nunca foram devidamente esclarecidas e a que não foram alheias as suas relações com a Renamo e com Afonso Dhlakama, com quem tinha estado em Moçambique, umas semanas antes de o seu corpo ter sido encontrado. A seguir e ainda nesse sentido, avistámos, do lado esquerdo, a Casa dos Bicos e em frente e para a nossa direita, a Ponte de Pedra, os Bombeiros e o novo edifício do Registo Civil. Para a direita do cruzamento vimos o - na altura da nossa partida para Portugal - novo edifício da Companhia de Seguros Náutico e as instalações do Cem À Hora. Neste local não pude evitar deitar um nostágico olhar para o nono andar do prédio da referida companhia de seguros, pois fui estreá-lo quando casei e ali aluguei a minha primeira casa. Continuámos pela Avenida da República e recordámos as antigas vivendas coloniais de um e de outro lado da rua, até que alcançámos outro cruzamento. À esquerda, o Teatro Eduardo Brazão, a Catedral e a Escola de Artes e Ofícios. À direita, a Escola Eduardo Vilaça e o lindo edifício da Mocidade Portuguesa e pavilhão anexo. Aqui a paragem foi mais demorada, devido às emoções sentidas por muitos de nós ao vermos estas instalações, onde passámos tantas horas e dias, alegres e felizes, das nossas vidas.
Manuel Palhares
Odivelas, 24 de Abril de 2006.
10 Comments:
Manel
Estou contigo nesse grupo.
Comigo vai a Manela, minha mulher e também os filhos.a Ana e o Rui nascidos na Beira e a Susana nescida no Porto e ainda os netos a Myriam e o David.
Lá vou tirando fotos digitais a tudo que vou vendo e tentando explicar aos meus o significdo daquelas casas todas.
Lembrei-me,antes de chegar ao cruzamento da Escola Eduardo Vilaça, do Capitão Matta e Silva,velho militar na reserva e exímio explicador de matemática e fisica.
Fizeste bem em parar no Pavilhão, vou-me sentar nas escadas viradas para a Catedral,tirar mais umas fotos e descansar um bocado.
Quando avançares diz.
Um abração
M.Costa
P.S.Faz hoje 32 anos estava a almoçar no Kanimambo.
Bela narrativa, como é teu apanágio. Claro que tem aquele perfume de lá, aquele que nunca mais se perde, tem aroma eterno, tem lumisosidade interior, tem...
Obrigada Manel, um abração do
Ricky
Já te respondi na Beira, mas não resisti aqui vir. Como é bom lembrar a nossa terra....
Um beijo
MManuel
Costinha,
Olha, tu é que és o responsável por esta excursão e parece que não está a correr mal. Vamos ver como vai continuar, porque acabar, como bem sabes, podemos andar por ali às voltas e temos "pano para mangas".
Verifico com agrado que trouxeste contigo a família toda. Para a Susana, para a Myriam e para o David é o " baptismo africano", com os pais e vovós a explicarem-lhes tudo. Tenho reparado que ainda não paraste de tirar fotografias, fazes bem.
Só conhecia o Capitão Matta e Silva de ouvir a malta falar.
Estás a descansar no Pavilhão?! Também eu!!! A tomar fôlego para continuar a escrever. Amanhã devo avançar.
Um grande abraço,
Manel
P.S.:Pois eu estava com paludismo, quando a minha mulher chegou a casa muito exaltada e me disse para eu ouvir as notícias da África do Sul, pois falavam de uma revolução em Portugal.
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Ricky,
Mas que é isso, meu amigo!Obrigado pela visita e pelas tuas amáveis palavras sou eu. Espero que gostes do resto, caso tenhas conhecido a Beira.
Um grande abraço,
Manel
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Maria Manuel,
Eu já li e também já te respondi na Beira. Gostei imenso do que lá nos contas sobre os teus avós e mãe. É uma ternura relembrarmos tempos tão doces. Obrigado.
Um beijinho,
Manel
Maneliii
Amicci,
eu já respondi em VilaPery. a rua da antiga residência do governador era A D.Joao de Mascarenhas. Havia outra ke eu me enganei no nome. Era a aires de Ornelas, salvo erro e depois a Correia de Brito.
Sabes, eram os meus dominios,(esta expressão em homenagem a um amigo muito kerido ).Mas sabes ke eram.
As melhoras, meu kerido amigo,
SAO Alves
Sãozita,
Já estou bem, obrigado.
Agradeço também as informações sobre as ruas dos teus domínios.
Só mais uma coisa, não foi em VP que me respondeste, mas sim na Beira. Já estás xé-xé? LOL!!!
Um beijinho,
Manel
Isabel,
Então hesitaste sobre se eu teria ido à Beira numa excursão! Lol! Não foste a única. Tenho recebido pedidos, por e-mail, para tirar fotografias dos mais variados lugares, a desejarem lá estar connosco, a desejarem-me felicidades. Sem querer, induzi algumas pessoas a pensarem que lá estávamos.
Eu, por vezes, gosto de escrever assim, misturando o passado com aquilo que eu chamo o passado-presente, quando faço flash-backs e coloco os personagens a falarem numa outra dimensão,difusa, a que tu apelidas de 5º dimensão.
O Pavilhão da Mocidade a que me refiro é esse mesmo, em frente ao hospital e a avenida era de facto muito bonita. Eu só conhecia essas instalacões da M.P..
Sem fazeres a mínima ideia, vieste falar num grande amigo, o dr. Gonçalves Dias. Fui colega e amigo do filho. O filho etá aí para o Porto e trabalhava no I.P.O.
Dizes que a tua mãe foi professora no Liceu. Qual era o seu nome? É que eu pertenço ao grupo de alunos que inauguraram o ensino liceal oficial na Beira.
Quanto ao Jardim do Bacalhau, sobre o qual, de facto, tanto falo, ficava junto à praia, em frente ao Pavilhão Oceana, que era uma cervejaria. Agora como era o escorrega, é que de facto não me lembro.
Já estou bem, obrigado.
Um beijinho,
Manel
uIsabel,
1 - Muito obrigado pelos teus parabéns e por este relato que fica aqui arquivado para os netos.
Tu referes-te à adaptação que Orson Welles fez na rádio, nos Estados Unidos,na véspera do Dia das Bruxas, da obra de Herbert George Wells, a Guerra dos Mundos.
Para mais informação sobre o assunto, deixo-te aqui um link que te leva para uma das muitas páginas sobre este acontecimento:
http://virtualbooks.terra.com.br/livros_online/wells/wells_guerra.htm
Para veres, fazes cópia deste link, colas na tua janela de endereços, na parte superior do monitor e pressionas a tecla "ENTER".
2 - Que tortura o que te fizeram passar no edifício da M.P.
3 - Bons amigos, os Gonçalves Dias!
4 - O Liceu abriu no ano lectivo de 1956/1957. Não me lembro da tua mãe, é a idade.
5 - Acontecia muito apanharmos escaldões nos escorregas de metal.
Um beijinho,
Manel
Gostei do que escreveu. Conheço a Beira, vivi lá uns 9 anos e era conhecido pelo Martins dos Leilões.
Convido-o a visitar o mew website: www.aquimaria.com
Abraço
José Martins
Caro José Martins,
Só hoje lhe respondo porque estive ausente.
Obrigado pela sua visita. Não me lembro de si da Beira. Já estive de fugida no seu site e tenho que lá voltar com mais tempo.
Um abraço,
Manuel Palhares
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