Beira Meu Amor

A Beira foi o grande amor da minha vida. Recebeu-me com seis anos, em Novembro de 1950 e deixei-a, com a alma em desespero e o coração a sangrar, em 5 de Agosto de 1974. Pelo meio ficaram 24 anos de felicidade. Tive a sorte de estar no lugar certo, na época certa. Fui muito feliz em Moçambique e não me lembro de um dia menos bom. Aos meus pais, irmão, outros familiares, amigos e, principalmente, ao Povo moçambicano, aqui deixo o meu muito obrigado. Manuel Palhares

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Localização: Odivelas, Lisboa, Portugal

sexta-feira, março 17, 2006

Carta ao meu Pai


Meu querido Papá,

Como sabes, é raro o dia em que não penso em ti. Mas falar contigo ou escrever-te, há trinta anos que o não faço, porque tu morreste, fez agora, no passado dia 15 de Fevereiro, trinta anos. Estavas sózinho, com um cágado por compnhia. Foi numa madrugada de domingo, em que te deitaste e te esqueceste de acordar. Na sexta anterior tinham-te ameaçado que te prendiam no Inhangau, se não pagasses os vencimentos aos operários das obras que tinhas paradas, porque os proprietários que as tinham mandado edificar, partiram de Moçambique e não se preocuparam em te pagar o que te deviam. Estavas a preparar-te para regressares ao teu Porto, de onde saíste jovem, e aonde só voltaste ao fim de vinte anos, em 1970, para uma estadia de quarenta e cinco dias. Partias, mais porque a família te pedia, do que por ser teu desejo sair da Beira e de Moçambique. "Tudo o que tenho, aqui o ganhei com o meu trabalho e daqui não saio!"- dizias um pouco irritado, quando te pedíamos que pensasses em regressar a Portugal, depois do 25 de abril de 1974. Bem, acabaste por vir num caixão, para o jazigo que te esperava num cemitério do Porto e lá estás.
Nunca, nestes trinta anos, consegui ter coragem para falar contigo, com a memória que tenho de ti, em pensamento. Foi dor que nunca passou e só tarde amenizou. Com os outros falava sobre ti, mas nunca me dirigi a ti. Recusei tanto a aceitar a tua morte que não andei bem por muito tempo, como sabes.
Hoje, já deves ter reparado, não só me dirijo a ti, como também te estou a tratar por tu, coisa que eu não fazia. Sabes, é que eu agora sou já sete anos mais velho que tu. Tu agora é que, de nós dois, és o mais novo!
Aqui na Terra inventaram, ao longo do ano, um dia mundial ou internacinal, para tudo. É mais uma maneira de alimentar o consumismo e criar afectos artificiais. E decidiram que no dia 19 de Março, no próximo domingo, se comemorava o Dia do Pai. Coitados dos pais de agora. Dantes os filhos provavam-lhes que todos os dias eram "dias dos pais", ao solicitarem-nos a todo o momento, com muito amor, carinho e alegria. Não recebias, neste dia, uma bugiganga qualquer, acompanhada por um postal com frases mais ou menos estereotipadas, a dizer que eras o melhor pai do mundo, que gostávamos muito de ti, e por aí... Mas recebias todos os dias a prova do nosso amor, quando não deixávamos de te beijar com afecto e alegria, pelo menos de manhã, de tarde e antes de deitar. E se ainda não te tinhas levantado, ou se já estavas deitado, íamos ao teu quarto, beijar-te a ti e à mamã. Para além disso, havia o desejo de te perguntar tudo, para com fascínio, ouvir as tuas respostas, que davas sempre com uma paciência infinita. E sei que, eu, por vezes, era muito chato! Mas tu eras sempre meigo e paciente.
Olha, aliviou-me o peito voltar a falar contigo, ao fim destes trinta anos. Espero que me tenhas ouvido com a paciência a que me habituaste, pois o que mais falta me tem feito, é exactamente não poder fazer-te perguntas. E tive necessidade de te ter feito tantas!
Um grande abraço e um grande beijo, do filho sexagenário, para o pai que foi sempre o seu herói preferido, e que partiu aos cinquenta e quatro anos de idade.


Manuel Alberto

Odivelas, 17 de Março de 2006.

18 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Manel
Não é preciso fazer comentários.
Um abraço
M.Costa

sexta-feira, março 17, 2006 4:17:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Meu querido Manel
Está simplesmente lindo, duma ternura e simplicidade que como sabes é o meu estílo, por isso só te posso dizer que adorei, e que deves pois claro por nas páginas, eu, serei a primeira a lá ir por um beijo.
Agora também vou ver se arranjo um pouco de inspiração para escrever ao meu que também já cá não está!
Beijinho da tua amiga
Andorinha

sexta-feira, março 17, 2006 5:48:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Lindo! :)
Um beijo do filho que te adora,

sexta-feira, março 17, 2006 9:15:00 da tarde  
Blogger Era uma vez um Girassol said...

Doce conversa, capaz de aliviar o peso que deverias sentir por não ser capaz de o fazer...
Desde os nove anos de idade que me habituei a conversar com a minha mãe e sei que tal facto me ajudou muito a superar a sua falta.
Muito bonito e sentido, Palhares.
Beijinho

sábado, março 18, 2006 12:41:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Manel
Obrigado por nos obrigares a reflectir com uma enorme emoção.
O teu e o meu pela forma de estarem na vida contribuiram de um modo impar para a modelar aquilo que somos.
Um abraço do fraterno amigo
AOFRANCO

sábado, março 18, 2006 1:46:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Manel,
Cheguei agora do aniversário do meu neto...vim para Beira Meu Amor e aqui chegando fui mais uma vez envolvida pelas tuas palavras.
Desta vez, bem mais profundamente pois quando à caminho de casa estava eu "conversando" com o meu pai e perguntado a ele o que tinha achado do aniversário do bisneto.
Costumo conversar com o meu pai, que foi esperar por mim "lá em cima" desde o dia 24 de outubro de 1977...bem moço também!
Não consegui conter as lágrimas!!!!!
Um beijo,
Mayra

sábado, março 18, 2006 5:06:00 da manhã  
Blogger Português said...

Eu cá vou vindo e apreciando esta tua arte, Necó...
Um abraço

sábado, março 18, 2006 8:53:00 da manhã  
Blogger Manuel Palhares said...

Costinha,

Pois não.
Um abraço.
Manel

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Andorinha Real,

Muito obrigado pelas tuas sempre anáveis palavras, minha querida amiga.
Um beijinho,

Manel

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Zé,

Meu querido filho.
Espero, no meu fim, ter conseguido ter sido para ti, metade do pai que o teu avõ foi para mim.
Um beijo de quem também te adora muito,

Pai

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AB,

A irracional impossibilidade de aceitar a sua morte,incapacitou-me para o hábito de falar com ele.
Obrigado AB.
Um beijinho.

Manel

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Meu querido Aníbal,

É como dizes: eram seres humanos especiais e muito bons. E ensinaram-nos os valores que nos permitem cultivar uma amizade fraternal, apesar de quase nada termos convivido nestes últimos trinta e dois anos.

Um grande abraço,

Manel

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Mayra,

Ainda bem que foste ver o teu netinho. Ele afinal é um anjinho inocente e merece ver a sua vovó.
Quanto aos nossos pais, estão à nossa espera...
Um beijinho.

Manel

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Como já são tão poucas as pessoas que me tratam assim, tu só podes ser o meu amigo de bigode, marido de um Senhora que ontem fez anos.
Um grande abraço,

Necó

sábado, março 18, 2006 4:39:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Miguito
Já tens respostas em todos os sites, hoje também coloquei o meu poema, e engraçado, que ficou perto do teu, espero que vejas. Beijinhos da tua Andorinha

sábado, março 18, 2006 5:43:00 da tarde  
Blogger Isabel Filipe said...

Oi Manel...

Uma linda conversa...
cheia de amor...adorei ler..parabéns pelo texto
bjs

sábado, março 18, 2006 6:07:00 da tarde  
Blogger Manuel Palhares said...

Andorinha,

É nosso destino caminharmos lado a lado: eu atrás da tua amizade e tu sempre ao meu lado.
Obrigado por tudo passarinho lindo.
Um beijinho,

Manel

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Isabel,

Muito obrigado minha amiga. Sempre presente e com paciência para nabos informáticos.
Um beijinho,

Manel

sábado, março 18, 2006 6:15:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Querido Amigo,

Linda a tua carta ... lindas as palavras do teu filho ... lindas as tuas para ele.

Pai .... hummmm ..... sem comentários.

Bom fianl de semana.
Beijo grande

sábado, março 18, 2006 7:53:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Manel,

Feliz dia do Pai

Beijão

domingo, março 19, 2006 11:16:00 da manhã  
Blogger Manuel Palhares said...

Coca-cola,


Muito obrigado pelas tuas mensagens e pelos votos de um bom dia do pai, o qual está a ser óptimo. Só me falta a filhota mais velha que está na Bélgica a acabar o estágio e se Deus quiser vem para o mês que vem.
Um beijinho,

Manel

domingo, março 19, 2006 5:12:00 da tarde  
Blogger Era uma vez um Girassol said...

Palhares , tu que percebes disto, sabe rás dizer-me porque não consigo fazer upload de imagens para o post? Hoje estive a tentar e nada...Não percebo!
Bjinho

domingo, março 19, 2006 11:09:00 da tarde  
Blogger Manuel Palhares said...

AB,

Olá. Bom dia.
Quem percebe disto é o meu filho, mas se não estou em erro, nos comentários, não podes publicares imagens. Eu logo ao jantar pergunto-lhe para confirmar.
Um beijinho,

Manel

segunda-feira, março 20, 2006 10:41:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Palhares, não é nos comentários, é mesmo no post...Já dei mais que voltas...
Bjs

segunda-feira, março 20, 2006 3:15:00 da tarde  
Blogger Manuel Palhares said...

AB,

O meu filho diz que pode ser, por exemplo, uma destas duas razões:

1. O blog não suportar o formato da imagem que estás a tentar colocar;

2. O próprio Blogger ter um limite de upload de imagens.
Neste caso experimenta apagar uma imagem antiga e tenta fazer o upload da que queres agora colocar.

Um beijinho,

Manel

segunda-feira, março 20, 2006 6:24:00 da tarde  

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