Era uma vez..
Era uma vez, há muito, muito tempo, que nem já dá mais para contar, no planeta Terra, um menino e uma menina, que viviam num sítio maravilhoso, misterioso, quase mágico e cheio de encantos: os cheiros, as cores, a luz, os sons, a terra, o ar e o mar – ah! o mar! – eram diferentes dos outros lugares. Essa terra ficava na costa oriental de África, entre um rio que se chamava Maputo, ao sul e um outro rio, que se chamava Rovuma, ao norte. Essa menina e esse menino viviam, mais ou menos, no meio dessa terra, num lugar chamado Sofala, ali mesmo junto ao mar.
Quando eram pequenos e iam para a escola primária, a menina, que morava um pouco mais longe que o menino, ia de bicicleta e encontrava sempre o menino, que ia a pé para a escola, pelo caminho. Ao chegar ao pé dele descia da bicicleta e acompanhava o menino, empurrando a bicicleta, até à escola, conversando com ele e rindo muito, com um sorriso alegre e lindo. O menino ficava sempre muito contente por encontrar a menina e ela o acompanhar, mas era um pouco envergonhado e falava pouco. Praticamente, limitava-se a responder às perguntas da menina, que falava muito.
Às vezes, a menina queria que o menino andasse na sua bicicleta e ficava toda contente por o menino aceitar rodopiar, à sua volta, à medida que se dirigiam para a escola. E os anos foram passando, a escola primária acabou, e, na continuação dos estudos, foram para escolas diferentes e já não se viam todos os dias.
Passaram a encontrar-se, aos fins-de-semana, na praia e no cinema, e a menina deixava logo os amigos com quem estava e vinha falar com o menino. O menino não sabia porquê, mas ficava muito contente por ver a menina e ela vir falar com ele. Ela continuava alegre, risonha e faladora, mas agora, ao falar, às vezes, tocava no menino com as mãos, o que lhe provocava a ele uma sensação muito agradável. E assim foi durante uns anos.
Até que o menino e a menina cresceram e já não eram mais meninos – eram uma linda rapariga e um rapaz que já tinha mudado a voz, adolescentes, ambos na casa dos quinze, dezasseis anos. A partir dessa altura, a rapariga, sempre que se encontravam, já não deixava o grupo de amigos para vir falar ao rapaz, como sempre fizera até aí e limitava-se a sorrir e a fazer-lhe um aceno com a cabeça. E isto deixou o rapaz triste e furioso com os rapazes do seu grupo.
- Que é que tens filho? Manuel Alberto, estou a falar contigo! Pareces que não estás cá. Que se passa filho, sentes-te doente?
- Hum?! - Que foi, mãe?
- Hum?! Isso são modos de me responderes?! Estava a perguntar-te se te sentes doente?
- Ó mãe, desculpe, mas eu nem a ouvi. – exclamei eu, deixando escapar um suspiro.
- Não, não me sinto doente. Estou bem.
- Então o que é que se passa contigo, para estares aqui a tarde toda, deitado no sofá, a olhares para o tecto?
- Não se passa nada mãe.
- A mim não me consegues enganar. Aí anda moura na costa!
- O quê?! Ó mãe, por favor, não se ponha a inventar.
- A inventar, eu?! Está bem, está bem! Olha, fala com ela! Que, assim, até podes ficar doente – disse a minha mãe afastando-se a rir, o que me provocou um rubor nas faces, misto de vergonha e cólera.
Manuel Palhares
Odivelas, 8 de Janeiro de 2006.
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