As minhas aventuras em Pebane - II
Episódio Nº 2 – O Zambézia
- Qual é o teu nome?
- Eu chamo-me Manuel. E tu?
- O meu nome é Zambézia.
- Zambézia!? Mas isso é o nome deste distrito!
- Eu isso de distrito não sei. Eu não foi na escola. Mas o meu nome é Zambézia, sim senhor!
- Está bem, está bem! Não fiques zangado. Olha, o que queres fazer? Queres brincar a quê?
- Nós podia fazer cordas para depois fazer zagaias!
- Fazer cordas para fazer zagaias?! Mas as cordas não se fazem. Já estão feitas! Eu posso pedir à minha mãe umas quinhentas e vamos comprar a corda ali à cantina.
- Vocês branco, gosta mesmo de gastar dinheiro. Não precisa nada de ir no cantina. Aqui tem cordas por todo o lado!
- Olha lá, tu estás a fazer pouco de mim ou quê? Onde é que estão as cordas?
- Estão mesmo encostadas às tuas pernas! Tu é que não sabes ver.
- Ouve lá, Zambézia! Nós combinámos ontem que hoje íamos brincar. Mas tu estás para aí com essa conversa maluca e eu assim vou brincar sozinho. Se queres fazer zagaias para brincarmos eu peço à minha mãe dinheiro, vamos à cantina comprar corda, arranjamos os paus para as zagaias e depois fazemos as setas. Ou queres ou não queres. Mas não te ponhas para aí com essas maluqueiras, a dizer que não é preciso ir comprar a corda à cantina, porque aqui não há corda nenhuma!
- Não zanga comigo Manuel! Não precisa ficar zangado comigo. Eu vai mostrar para tu que aqui há corda e por que é que tu não consegue ver. Anda cá. Estás a ver esta planta que aqui tem muito?
- Estou, e depois? O que é que isso tem a ver com as cordas?
- Tem Manuel. Esta plantas verdes tem as cordas escondidas lá dentro.
- Pronto, agora é que estás maluco mesmo – disse-lhe eu. - Olha, vou-me embora e vou brincar sozinho. Tu não estás bom da cabeça.
- Espera Manel, espera! Eu vou mostrar para tu que é mesmo verdade o que eu digo. Olha, esta planta verde chama sisal! E eu vou mostrar para tu que ela tem escondida corda dentro dela. Vê! Eu arranco duas folhas ou três da planta, assim. Agora pego nesta pedra e raspo com ela o verde. Vês, o verde está a sair e estão a ficar estes fios. Pronto! Agora o verde já saiu. Tu estás a ver estes fios que estava escondido com o verde? Agora só tem que enrolar os fios, como faz com as tranças de mininas. Assim, assim, assim, ... Estás a ver? Está a ficar corda, não está?
Eu estava espantado! Não é que o Zambézia tinha uma corda na mão! Que estava escondida em três folhas lanceoladas de sisal, como ele dizia!! Fizemos mais cordas que com mestria o Zambézia me ensinava a unir umas às outras, para lhes aumentar o comprimento. Depois ele, o Zambézia, subiu a uma árvore com a agilidade de um felino e, com um pequeno canivete que tinha no bolso dos calções, cortou dois ramos compridos para fazermos as zagaias. Ainda com o canivete, fez uma fenda em cada uma das extremidades dos paus, por onde fez passar cada uma das pontas das cordas. Em seguida deu um nó em cada ponta, para estas não sairem. Isto depois de arquear o pau e verificar a tensão das cordas. Finalmente, com fios de sisal, cobriu os nós de cada extremo, evitando assim que estes saltassem para fora da fenda. Eu estava estupefacto com a magia que tinha acabado de ver sair das mãos do Zambézia! Olhei-o com admiração e consideração. Ele fez-me lembrar um artista que eu tinha visto no circo e que também fazia aparecer coisas. O meu pai ensinou-me como é que se chamavam esses artistas, mas é um nome muito complicado. O Zambézia era isso mesmo: um “prestagitas”, ou um nome assim difícil.
Bem, feitas as zagaias, o Zambézia, também habilmente cortou com o seu canivete uns paus finos e direitos, aguçou-lhes uma extremidade e estavam feitas as setas. Brincámos toda a manhã. Num pequeno palmar próximo das duas casas onde vivíamos, num extremo da vila. Na nossa imaginação fartámo-nos de caçar. Graças à magia do Zambézia, que conseguiu provar-me que há coisas que a natureza nos oferece, que estão mesmo ao pé de nós e não as vemos.
Suados, mais eu que o Zambézia, sentámo-nos para descansar. O Zambézia vira-se para mim e diz:
- Ó Manel, tu não ter sede? Eu ter muito sede.
- Eu sede tenho, mas esqueci-me de trazer água.
- Não precisa. Tu gostas dos leites do coco?
- Eu gostar, gosto. Mas onde é que tu vais arranjar um coco agora?
- Ó Manel, tu fostes na escola fazer o quê? Então tu não sabes que aqui é a terra dos coqueiros?
- Isso eu sei. Mas o que é que isso tem a ver com os cocos que estão lá em cima nos coqueiros?
- Com esta corda de sisal que sobrou, eu vou lá cima arrancar dois cocos para nós beber os leite.
- Tu queres morrer, é? Estás maluco?
- Não morrer nada. Espera pouco.
Então o Zambézia pegou no bocado da corda de sisal que tinha sobrado, amarrou as pontas a cada um dos pés e fazendo dos anéis do coqueiro degraus, aí fixava a corda e foi-se elevando coqueiro acima até ao topo. Arrancou dois cocos que cairam a meus pés e, ainda mais depressa que subiu, desceu. Com uma pedra tirou-lhes a palha e, daí a pouco, já nos tínhamos deliciado com a água de coco e trincávamos, preguiçosamente, deitados no chão, pedaços de coco. A manhã passou a correr. No pequeno cais que havia em Pebane, a sirene tocou. Era meio-dia.
- Olha Zambézia, tenho que ir porque a minha mãe disse-me para ir almoçar quando tocasse a sirene.
- Está bem! Eu vou com tu. Depois de comer tu vem brincar outra vez comigo?
- Venho! Mas só depois das três horas. Até logo!
- Até logo!
Entrei em casa esbaforido:
- Mamã, mamã! Quero-te contar o que aprendi esta manhã com um menino preto.
- Faz pouco barulho filho. O teu irmão já está a dormir a sesta. E, além disso, tínhamos combinado que falávamos depois do almoço, lembraste? Anda, agora vai lavar a cara e as mãos para almoçarmos. Como sabes, o pai só vem jantar. Hoje vai passar o dia todo no mato.
Fim do 2º Episódio
Manuel Palhares
Odivelas, 15 de Setembro de 2005.
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