O meu primeiro amor
Quase há cinquenta anos atrás eu conheci uma menina que foi muito especial para mim: foi o meu primeiro amor!
Conheci-a no liceu quando tinha treze anos. Chamava-se Ana Maria. E como era linda! Pelo menos para mim era muito linda, pronto! Pele branca, olhos e cabelos castanhos. Era muito simpática, nada afectada e com o seu lindo sorriso não me afastava, antes pelo contrário, incentivava-me. Eu, inseguro e que não queria levar uma tampa, lá consegui saber por uma amiga sua, que ela simpatizava comigo.
O nosso liceu era misto e não era. As aulas só eram mistas no 6.º e 7.º anos, mas os recreios eram separados. Então só havia uma maneira de trocar umas palavrinhas: à entrada ou à saída, no parque de estacionamento, e no intervalo de vinte minutos na cantina. Nunca comprei tantas bolas de berlim como naquela altura! Para oferecê-las a ela, que por vezes aceitava. Trocávamos palavras de circunstância um pouco a correr, até que um dia lhe perguntei se lhe podia escrever uma carta. Ela disse que sim, ela disse que sim! Agora eu já não podia voltar atrás. Escrevi-lhe um testamento onde lhe explicava, de mil maneiras diferentes, o meu amor pré-adolescente por ela, a minha paixão. Isto com direito também a uma fotografia minha. Ela aceitou logo o namoro, não se fez de difícil. Como no liceu quase não podíamos falar, trocávamos uns bilhetinhos, que chegavam até nós por correios de ambos os sexos, também com a nossa idade. Mas aquilo não bastava, assim não era bom!
Calhava eu ter explicações em frente à casa de uma amiga comum. E nos dias de explicação, à tarde, ela vinha estudar com a nossa amiga. Não a encontrava à entrada para a explicação, mas à saída, que coincidia com a hora do lanche. Lá estavam ela e a amiga, no jardim, juntinhas ao muro baixo a conversarem. E eu, quando saía da explicação, por ali tinha que passar. Eu arranjei um amigo, para também não estar ali sozinho, salvo erro foi o Zé Roca, mas não tenho a certeza. O Zé Roca foi o meu primeiro amigo em Moçambique, tínhamos seis anos quando nos conhecemos e andávamos quase sempre juntos. Bom! Mas isso agora não é muito relevante. O que interessa é que cada um de nós, os namorados, tinha um “pau-de-cabeleira”. Os olás do costume, os “paus-de-cabeleira” afastavam-se um pouco e punham-se a conversar, deixando-nos entregues a uma certa privacidade. Então sim, conversávamos os dois! Eu elogiava-lhe os olhos, o sorriso, os cabelos, o nariz, as orelhas e o queixo, e ela ria-se nada afectada, com os olhos brilhantes e uns dentes lindos! Era a sua maneira de me agradecer. Depois ela colocava a sua linda mãozinha no muro, casual e despreocupadamente (?) e eu nada casual e nada despreocupado, também lá colocava a minha mão. Aquilo requeria um certo treino. Ao colocar também a minha mão no muro, esta não podia cair pesadamente em cima da dela, tinha que ficar ao lado da sua a roçar-lhe levemente. Eu não sei o que ela sentia. Mas eu sentia uma euforia e um pequeno arrepio. Mas que bela sensação! Depois, ao fim de uns minutos, eu, gentilmente, pegava-lhe no pulso onde ela tinha o relógio e fingia ver as horas e ela sorria, sorria e eu sentia, sentia... E assim foi o início do nosso amor, no ano de 1957. E tudo corria muito bem, até que, certo dia, quando chego ao liceu, por volta das 6h50m, acabo de despertar, com alguém a chamar por mim no parque de estacionamento:
- Ó Palhares, ó Palhares! Anda cá, depressa!
Era voz de mulher! Voltei-me e deparo com uma das professoras mais eficientes e também das mais temidas pelos alunos, a minha professora de Físico-Químicas! Apressei o passo e a senhora, naquele seu vozeirão, disse-me:
- Toma lá isto, que nós lá em casa não precisamos destas coisas!
Eu fiquei petrificado. Na sua mão estava a minha volumosa carta. Disse-me mais qualquer coisa do tipo, “A brincadeira acaba aqui”, mas eu já não ouvia nada. Voltou-me as costas e dirigiu-se para a entrada principal do liceu por onde entravam os professores e eu cabisbaixo, contornei um ginásio, pois os alunos entravam no liceu por acessos laterais. Ninguém presenciou esta cena, fui apanhado na tocaia... e dali a poucos segundos ia ter aula com esta professora! Eu estava numa agonia.
Estarão agora vocês a perguntar: “Mas o que é que tinha a professora a ver com todo este assunto? ” Certo?
Pois a senhora era prima direita do pai da minha namorada e como era solteira, vivia lá em casa. A mãe da minha namorada mostrou-lhe a carta que a filha lhe tinha dado a ler, por até ter achado graça e ela, a professora, ao lê-la e ao ver a minha fotografia, já não a devolveu e teria exclamado qualquer coisa como “Eu amanhã resolvo isto!”. E efectivamente resolveu. Estávamos no primeiro período do meu 3.º ano do liceu. Nunca estudei tanto Físico-Químicas como nesse ano. As minhas médias aritméticas foram, nos três respectivos períodos: 14, 15 e 16. As notas que a professora me deu foram: 13, 14 e 15. Ou seja «roubou-me» um valor por período. Isto teve uma vantagem, fiquei a gostar para sempre de Física e de Química. Porém não pensem que o namoro terminou, nada disso. “Deus é grande e escreve direito por linhas tortas”. O namoro até ficou melhor, mais saboroso, mais conclusivo, com mais finalmentes. Como? Porquê? Eu conto.
Ao vagar um andar por cima do nosso, numa casa que tinha uma ponte, entre o Oceana e o Grande Hotel, foi para lá morar uma família com os filhos ainda pequenos. Acontece que essa família era muito amiga dos pais da minha namorada e os dois casais iam ao cinema juntos e deixavam os filhos entregues ao cuidado da criada do meu vizinho. Pronto! Tantas cautelas e foram deixar a “ovelhinha” a dois lances de escada do “lobinho”! Ora as habitações tinham duas entradas: a principal à frente e a de serviço atrás. Com tanta criança para tomar conta, a criada preocupava-se, principalmente, com os mais pequenos. E com a conivência da filha mais velha do meu vizinho e do meu “cunhado”, irmão da minha namorada, que ficavam atentos, distraíam a criada e, se fosse preciso, davam o alerta, nós passámos a namorar mais a sério. No patamar da escada de serviço que ficava entre o 1.º e 2.º andares .
E... e o que é que vocês querem saber mais, seus curiosos? Durou pouco mais de um ano este amor, porque o pai da minha namorada foi transferido e a família saiu da Beira. Nunca mais vi a Ana Maria, nem soube mais nada dela!
Durou pouco? Durou! Mas foi o meu primeiro amor. Qual de vós já se esqueceu do seu?
Fiquem bem!
Manuel Palhares
Odivelas, 29 de Agosto de 2005.
Conheci-a no liceu quando tinha treze anos. Chamava-se Ana Maria. E como era linda! Pelo menos para mim era muito linda, pronto! Pele branca, olhos e cabelos castanhos. Era muito simpática, nada afectada e com o seu lindo sorriso não me afastava, antes pelo contrário, incentivava-me. Eu, inseguro e que não queria levar uma tampa, lá consegui saber por uma amiga sua, que ela simpatizava comigo.
O nosso liceu era misto e não era. As aulas só eram mistas no 6.º e 7.º anos, mas os recreios eram separados. Então só havia uma maneira de trocar umas palavrinhas: à entrada ou à saída, no parque de estacionamento, e no intervalo de vinte minutos na cantina. Nunca comprei tantas bolas de berlim como naquela altura! Para oferecê-las a ela, que por vezes aceitava. Trocávamos palavras de circunstância um pouco a correr, até que um dia lhe perguntei se lhe podia escrever uma carta. Ela disse que sim, ela disse que sim! Agora eu já não podia voltar atrás. Escrevi-lhe um testamento onde lhe explicava, de mil maneiras diferentes, o meu amor pré-adolescente por ela, a minha paixão. Isto com direito também a uma fotografia minha. Ela aceitou logo o namoro, não se fez de difícil. Como no liceu quase não podíamos falar, trocávamos uns bilhetinhos, que chegavam até nós por correios de ambos os sexos, também com a nossa idade. Mas aquilo não bastava, assim não era bom!
Calhava eu ter explicações em frente à casa de uma amiga comum. E nos dias de explicação, à tarde, ela vinha estudar com a nossa amiga. Não a encontrava à entrada para a explicação, mas à saída, que coincidia com a hora do lanche. Lá estavam ela e a amiga, no jardim, juntinhas ao muro baixo a conversarem. E eu, quando saía da explicação, por ali tinha que passar. Eu arranjei um amigo, para também não estar ali sozinho, salvo erro foi o Zé Roca, mas não tenho a certeza. O Zé Roca foi o meu primeiro amigo em Moçambique, tínhamos seis anos quando nos conhecemos e andávamos quase sempre juntos. Bom! Mas isso agora não é muito relevante. O que interessa é que cada um de nós, os namorados, tinha um “pau-de-cabeleira”. Os olás do costume, os “paus-de-cabeleira” afastavam-se um pouco e punham-se a conversar, deixando-nos entregues a uma certa privacidade. Então sim, conversávamos os dois! Eu elogiava-lhe os olhos, o sorriso, os cabelos, o nariz, as orelhas e o queixo, e ela ria-se nada afectada, com os olhos brilhantes e uns dentes lindos! Era a sua maneira de me agradecer. Depois ela colocava a sua linda mãozinha no muro, casual e despreocupadamente (?) e eu nada casual e nada despreocupado, também lá colocava a minha mão. Aquilo requeria um certo treino. Ao colocar também a minha mão no muro, esta não podia cair pesadamente em cima da dela, tinha que ficar ao lado da sua a roçar-lhe levemente. Eu não sei o que ela sentia. Mas eu sentia uma euforia e um pequeno arrepio. Mas que bela sensação! Depois, ao fim de uns minutos, eu, gentilmente, pegava-lhe no pulso onde ela tinha o relógio e fingia ver as horas e ela sorria, sorria e eu sentia, sentia... E assim foi o início do nosso amor, no ano de 1957. E tudo corria muito bem, até que, certo dia, quando chego ao liceu, por volta das 6h50m, acabo de despertar, com alguém a chamar por mim no parque de estacionamento:
- Ó Palhares, ó Palhares! Anda cá, depressa!
Era voz de mulher! Voltei-me e deparo com uma das professoras mais eficientes e também das mais temidas pelos alunos, a minha professora de Físico-Químicas! Apressei o passo e a senhora, naquele seu vozeirão, disse-me:
- Toma lá isto, que nós lá em casa não precisamos destas coisas!
Eu fiquei petrificado. Na sua mão estava a minha volumosa carta. Disse-me mais qualquer coisa do tipo, “A brincadeira acaba aqui”, mas eu já não ouvia nada. Voltou-me as costas e dirigiu-se para a entrada principal do liceu por onde entravam os professores e eu cabisbaixo, contornei um ginásio, pois os alunos entravam no liceu por acessos laterais. Ninguém presenciou esta cena, fui apanhado na tocaia... e dali a poucos segundos ia ter aula com esta professora! Eu estava numa agonia.
Estarão agora vocês a perguntar: “Mas o que é que tinha a professora a ver com todo este assunto? ” Certo?
Pois a senhora era prima direita do pai da minha namorada e como era solteira, vivia lá em casa. A mãe da minha namorada mostrou-lhe a carta que a filha lhe tinha dado a ler, por até ter achado graça e ela, a professora, ao lê-la e ao ver a minha fotografia, já não a devolveu e teria exclamado qualquer coisa como “Eu amanhã resolvo isto!”. E efectivamente resolveu. Estávamos no primeiro período do meu 3.º ano do liceu. Nunca estudei tanto Físico-Químicas como nesse ano. As minhas médias aritméticas foram, nos três respectivos períodos: 14, 15 e 16. As notas que a professora me deu foram: 13, 14 e 15. Ou seja «roubou-me» um valor por período. Isto teve uma vantagem, fiquei a gostar para sempre de Física e de Química. Porém não pensem que o namoro terminou, nada disso. “Deus é grande e escreve direito por linhas tortas”. O namoro até ficou melhor, mais saboroso, mais conclusivo, com mais finalmentes. Como? Porquê? Eu conto.
Ao vagar um andar por cima do nosso, numa casa que tinha uma ponte, entre o Oceana e o Grande Hotel, foi para lá morar uma família com os filhos ainda pequenos. Acontece que essa família era muito amiga dos pais da minha namorada e os dois casais iam ao cinema juntos e deixavam os filhos entregues ao cuidado da criada do meu vizinho. Pronto! Tantas cautelas e foram deixar a “ovelhinha” a dois lances de escada do “lobinho”! Ora as habitações tinham duas entradas: a principal à frente e a de serviço atrás. Com tanta criança para tomar conta, a criada preocupava-se, principalmente, com os mais pequenos. E com a conivência da filha mais velha do meu vizinho e do meu “cunhado”, irmão da minha namorada, que ficavam atentos, distraíam a criada e, se fosse preciso, davam o alerta, nós passámos a namorar mais a sério. No patamar da escada de serviço que ficava entre o 1.º e 2.º andares .
E... e o que é que vocês querem saber mais, seus curiosos? Durou pouco mais de um ano este amor, porque o pai da minha namorada foi transferido e a família saiu da Beira. Nunca mais vi a Ana Maria, nem soube mais nada dela!
Durou pouco? Durou! Mas foi o meu primeiro amor. Qual de vós já se esqueceu do seu?
Fiquem bem!
Manuel Palhares
Odivelas, 29 de Agosto de 2005.
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