Do Largo do Município até à Praça da Índia - III
3.ª Parte
A muito custo e com o Luís Paula Campos e o Paulo Barreto a tentarem pôr um pouco de ordem naquela barafunda, lá deixamos o Pavilhão da Mocidade Portuguesa, depois de termos estado por ali bastante tempo. Porém, não ia ser fácil dar um andamento ligeiro ao nosso passeio, porque uns passos mais à frente estávamos em frente ao Hospital Rainha D. Amélia e começou de novo a confusão.
- Eu nasci aqui! - disse alguém. Foi o que bastou.
- Está lá calado! - disse outra. - Eu nasci aqui primeiro, porque sou mais velha.
- E eu vim cá apanhar uns pontos, quando caí do muro de minha casa - disse ainda outro.
- E eu vinha cá às consultas, quando era pequenina disse a Isabel Ribeiro. - Até foi o Dr. Gonçalves Dias que me curou da papeira, fiquem a saber.
- Minhas senhoras, meus senhores, tenham paciência, mas temos que continuar. Não podemos demorar tanto em cada sítio - exclamou o Luís, já com os pêlos do bigode eriçados. - Não se esqueçam que amanhã temos que nos levantar cedo para a visita ao Dondo e ao Mafambisse - dizia, enquanto consultava o plano da nossa excursão a Moçambique.
- Ó pá, estás a falar para o boneco - retorquiu o Costinha. - Ninguém te está a ouvir. Parecem uns putos, não estás a ver?!
- Então, tu que és mais velho, vê lá se consegues que esta malta ande e não páre de minuto a minuto - dizia o Luís, habituado que estava à disciplina, pois era oficial do exército de profissão.
- Isto são muitos anos de saudade recalcada, muitos nós na garganta e também, porque não dizê-lo, muitas lágrimas - rematou calmamente o Costinha.
Lá conseguimos chegar ao próximo cruzameto, onde o muro do hospital "dobrava" para a esquerda até à Rua Correia de Brito, com a Casa Funerária lá ao fundo, em frente ao Campo de Golfe da Beira. Para a direita, aquilo a que os beirenses antigos chamavam de Rua das Casuarinas, a qual nos levava, lá mesmo ao fundo, até ao ATCM e ao Grande Hotel, com a recente Mexicana mais ou menos a meio. Ainda neste cruzamento, a Farmácia ? do Dr. Tzitzivacos.
- Vamos, vamos! Nós já alugámos autocarros para uma volta pela Beira. Hoje a volta é até à Praça da Índia e a pé, por isso temos que nos despachar - dizia o Paulo Barreto, que não cabia em si de contente, recordando-se que tantas vezes por ali tinha passado a caminho do Colégio das " Ma méres".
Passado este cruzamento, foi rápido até chegarmos ao próximo - o cruzamento da Avenida da República com a Rua Sancho Toar. Aqui a algazarra foi mais do que muita. Porquê? Porque aquele era de novo um cruzamento que trazia à memória emoções difíceis de controlar. Ali, mesmo na esquina, perante nós, o Colégio Nossa Senhora dos Anjos, um ícone da Beira. Para a esquerda, pela Rua Sancho Toar, o seu muro ia até ao fim do quarteirão, dando a volta para a rua de trás, a Rua Governador Augusto Castilho. Pela Avenida da República, as instalações do colégio estendiam- se até à Praça Almirante Reis, onde se situa o Cinema S. Jorge.
- O meu colégio, o meu colégio! - pulava de contente o Paulo Barreto.
- Qual seu colégio, qual quê?! Era o que mais faltava - quase gritava a Odília, arregalando muito os olhos para o Paulo Barreto. - Eu andei aqui dez anos, está a ouvir? Se o colégio é de alguém, é meu. Olha o catraio, não querem lá ver?!
O Luís, com vontade de se rir, pôs "Um ar grave e sério" - onde é que eu já ouvi isto? - e no seu timbre de Tenente Coronel, com muito esforço, lá consegiu dizer:
- Minha senhora, tenha calma. O colégio dá para todos... - mas calou-se logo com o olhar que a Odília e outras meninas lhe deitaram.
O pior é que, para aumentar a confusão, desta esquina também se avistava, do lado direito, lá mais para o fundo da Rua Sanche Toar, as primeiras instações do Liceu Pêro de Anaia. O Liceu só ali funcionou, provisoriamente, de Setembro de 1956 até Janeiro de 1959, durante dois anos e quatro meses, até se concluirem as instações definitivas em Matacuane. Do lado esquerdo, a Rua Sancho Toar leva-nos até à Rua Correia de Brito, já anteriormente referida, a qual, juntamente com o Campo de Golfe, do lado esquerdo do sentido que levávamos, nos acompanharam até quase à Praça da Índia.
E a muito custo lá chegámos ao Cinema S. Jorge, com o lindo jardim da Praça Almirante Reis à nossa esquerda.
- Eh malta! Foi aqui, foi aqui! - explodiu o Victor "Hunter".
- Foi aqui, o quê? - questionámos nós.
- Então foi aqui que eu fui actor, na peça infanto-juvenil "No Reino Sonhador do Rosival", foi aqui que vivi os melhores tempos da minha vida e fiz amizades sem fim, que ainda duram até hoje...
Manuel Palhares
Odivelas, 2 de Maio de 2006.
17 Comments:
Meu querido Manel
Para ser sincera, não li, pois estou cansada, mas prometo mal me sinta melhor o fazer, entretanto adorei ver a minha amiga Isabel no teu Blog, para ela um beijinho, e claro para vós os três meus amigos.
Agora um pedido ao meu borrachinho Zé, se me grava a musica linda dum filme que vi vai tantos anos, Dio como te amo! Bigada, bejinhos desta vossa amiga
Andorinha
Manel
Obrigado pelas alegrias que me vens dando pelos passeios serenos pela nossa querida cidade.
Quando chegares ao Macuti, não te esqueças da Praia do Régulo Luís e da do Savane onde passamos bons momentos em 1969 nas férias de Verão (último ano que revi a nossa terra) , com os Veludos (Pedro e o Sérgio) e o Paiva.
Um grande abraço do teu "irmão"
AOFranco
Manel
Como era de esperar temos cada vez mais malta no grupo.
Vamos devagar para gozarmos tudo.
Ao passarmos no cruzamento da farmácia Beira, a tal do Dr. Tzitzivacos, lembrei-me na aventura que eu e o ...,sorteados entre a malta e corados de vergonha, nos metemos ao nos dirigirmos ao balcão da farmácia para comprar os nossos primeiros preservativos. Tinhamos 14 ou 15 anos e a primeira aventura.
Já que chegamos ao S.Jorge deixa-me recordar o cravanço que a malta fazia no fim do ano escolar para irmos jantar ao Oceana.
Era um grupo de um lado e outro do outro da largo do S. Jorge paravamos os carros e cheios de lata lá íamos cravando a malta alegando que era para um jantar dos que tinham chumbado. O dineiro dava sempre para ir comer um bife á Oceana. Depois uma serenata ás Méres.
Bons tempos Amigo...
Um abraço
M.Costa
Querido Manuel Palhares,
Há já um tempito que não visito o teu blog. Andei um bocado estonteada. Tive até uns sintomas esquesitos.
Fiquei muito espantada quando li na Focus ou na Visão? Não tenho a certeza. Mas foi numa destas revistas que costumo comprar semanalmente. Os sintomas por mim sentidos podem ter sido um sinal de alarme. Poder-se-ia tratar de um princípio de acidente cardio vascular...
Só me assustei depois de ter lido o que li.
Agora já estou bastante melhor.
Um beijinho muito afectuoso, da Aida
Isabelinha,
Espero não levares a mal esta brincadeira de aproveitar o que os amigos me contam sobre as suas vivências e recordações acerca da Beira e fazer deles, com todo o respeito e amizade, personagens das minhas "histórias".
O Liceu teve duas instacões como conto.
Pois é como dizes, minha amiga, o passeio ainda não acabou, mas vai acabar na 4ª parte, julgo eu.
O cemitério ficava à esquerda de quem vinha da Manga e entrava na cidade.
Que saudades desses carros que tinham umas "setinhas" que faziam a sinalização, indicando para que lado se ia virar. Quando não tinham as "setinhas" era com a mão e o braço que se indicava o sentido para onde se ia virar. E os carros que pegavam de manivela...
O que nos vieste recordar. Que bom e obrigado.
Vá, anda, vamos continuar o passeio.
Um beijinho,
Manel
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Minha querida Andorinha Real,
Já "tá melhó, tá"? Com tantos amiguinhos que teve à sua volta este fds, foi só miminhos.
É, a Isabelinha, vem cá quase sempre. É uma boa amiga, como são todas, claro. Obrigado pelos beijinhos e o Zé vai tratar de te enviar umas músicas para alegrar esse coração.
Beijinhos muitos destes três fãs que gostam muito do seu passarinho lindo,
Manel
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Aníbal, meu amigo,
Então que é isso.?! Obrigado sou eu.
Como posso esquecer esse Verão?! Foi o último em que o grupo esteve todo reunido, de novo, depois da diáspora de 1965, quando partimos da nossa amada Beira, para as mais diversas universidades do "Império Colonial Português", ou para a Rodésia e África do Sul. Que sonhos, que ilusões, que saudades.
Um grande e fraternal abraço,
Manel
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Costinha,meu amigo,
É verdade, o grupo tem crescido. A aposta em continuar no "tema passeios" foi tua.
Ah! Ah! Ah! Com que então devagar para gozarmos tudo e para não acabar, não é?!
Eu também passei por uma cena dessas, mas foi numa farmácia em Tete e que estava a atender era uma senhora.
Como me recordo bem desses peditórios e participei em dois.
Bons tempos e que saudades...
Um abraço,
Manel
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Minha querida amiga Aida,
É verdade, já não vinhas cá há um tempo e deixaste muita saudade no meu coração.
Apesar do que leste nas revistas, se sentistes sintomas esquisitos, não seria melhor consultar um médico? Eu penso que sim. Faz-me esse favor e depois conta-me como te vais sentindo.
Um beijinho carinhoso,
Manel
Isabel,
Pronto, pronto! LOL!
Tu dizes a brincar, mas estás-te a tornar, ou já és, uma das emergentes vedetas de VP.E isso deixa-me muito contente, porque julgo que te tem feito bem.
Um beijinho,
Manel
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Laura Lara,
Olá! Muito obrigado pela tua visita e pelas tuas amáveis palavras.
Que alegria ver-te por aqui.
Um beijinho,
Manel
Querido Manuel Palhares,
Só agora li na integra a vossa excursão pela Beira.
Os teus diálogos são tão vivos. Até me parecia que eu própria fazia parte da excursão.
Todavia, nada tinha a dizer sobre os colégios. Também estudei num colégio de religiosas: O Colégio da Imaculada Conceiçõa, em Viseu.
Adorei e não me lembrei de ter contado um roubo de fruta que cometi neste mesmo colégio:
Subiamos as escadas ( eu e outra colega chamada Evangelina que foi enfermeira no Hospital de Santa Maria, em Lisboa. A Evangelina era mais velha uns dois ou três anos que eu. Era uma rapariga com uma personalidade muito forte e que exercia um grande fascínio em mim.
Pois bem, vamos ao roubo da fruta:
Havia um abrunheiro que dava uns abrunhos dum vermelho escuro e muito apetitosos. Escusado será dizer que era proibido colhê-los. Eram-nos distribuídos no refeitório como sobremesa.
A Evangelina, denotando um grande à--vontada, colheu um que estava mesmo à mão de semear.
Eu, como um autómato repeti o gesto e senti-me uma heroína por ter sido capaz de tal feito!
Eu era considerada uma menina obediente e bem comportada.
Há uma explicação para tal fama:- Não gosto nada de arreliar as pessoas.
Um beijinho muito carinhoso, da Aida
Minha querida Aida,
Muito obrigado pelas tuas sempre amáveis palavras, as quais, por vezes, não sei se mereço.
Gostei muito de ler a tua história do colégio em Viseu. Muito bem! És uma querida muito fofinha.
Um beijinho, com carinho,
Manel
Amigo
Como só há pouco tempo o meu filho me deu este computador, ainda não tinha feito esta maravilhosa viagem pela Beira. Fantático meu amigo!!Que bem que tudo é descrito. Eu que já lá não vou vai para 30 anos, senti que estava a viajar com todos vós e reconheci cada lugar que descreve. Também eu, e era uma miúda entrei na peça do Principe Rosival, entrava numa dança que era "nós somos as floristas" e a Sra. modista que falam e era mãe do Plágio Correia, foi minha modista e da minha mãe. Meu Deus que saudades.
Um abraço
Teresa
Teresa, minha amiga,
Fico contente por estares a dar os primeiros passos neste novo mundo que é a internet.
Há uma coisa que te quero dizer desde já: estes passeios são ficção, não existiram a não ser na minha imaginação - é assim que eu imagino que decorreria um passeio, se lá fosse numa excursão com os amigos, como aquelas que vão acontecer no próximo mês de Agosto, quando se comemorar o 1º Centenário da Cidade da Beira. Como eu gostava de lá ir, meus Deus!
A mãe do Plácido também foi modista da minha mãe e já estive com ele aqui em Portugal.
Aparece mais vezes e, até lá, um beijinho,
Manuel Palhares
Amigo Manuel
Então esse passeio foi ficcão, que bela imaginação!!!! Está tudo tão bem descrito que eu me convenci que o grupo tinha mesmo ido lá. Como já disse eu morava à frente dos Barretos. Era mesmo ao pé do primeiro Liceu. Eles também tinham uma irmã que era a Ester Maria e foi com essa que eu ainda miúda me dei mais. A irmã mais velha era se não me engano Ilda, será? Enfim a memóra já vai falhando, pois já lá vai tanto tempo. Continuarei a aparecer de vez em quando.
Beijinho
Teresa
Amiga Teresa,
Olá, boa tarde!
De novo aqui consigo, para recordar e matar saudades da nossa querida Beira.
Bem me parecia que a sua casa era ao pé do Liceu, quando ele funcionou na Ponta Gea.
Quanto a essas manas Barreto, confesso que não me lembro delas. É como a Teresa diz: já foi há muito tempo e a memória começa a fazer partidas...
Até sempre e um beijinho,
Manuel
Senhor
Eu sou o Dr Tzitzivacos o filho do farmaceutico da Farmacia Beira, eu vivo no Sul D'Africa e sou Haematologista. Eu era pequeno quando chegamos aqui, mas as lembrancas da Beira sempre vao ficar na minha coracao e do meu pai que morreu quando vieramos aqui.
Dimitri
Meu caro Amigo Dimitri,
Nem imaginas a alegria que me deste ao deixares aqui estas tuas palavras.
Eu conheço-te desde criança, pois para além de conhecer o Senhor teu Pai, da Farmácia Beira, ele alugou ao meu pai a moradia em que vocês viveram nas Palmeiras.
Gostava tanto de poder trocar mensagens contigo, mas não deixaste o teu e-mail.
Se aqui vieres de novo, deixa-me o teu contacto por favor.
A nossa querida Beira está para sempre no nosso coração.
Um Novo Ano cheio de muita saúde, paz, amor e felicidade, para ti e para a tua família.
Um grande abraço,
Manuel Palhares
Estimados amigos Beirenses:
Nasci na rhodesia em 1957 mas fui para a Beira com um mês assim que considero-a como minha terra. Estudei no Colegio Luis de Camoes e era filho de Manuel de Lopo González de la Cal, mais conhecido pelo Sr. González. Quem possa lembrar-se de mim por favor que me escreva
Um abraço cordial
jaimedelopo@polocenter.zzn.com
Senhor Palhares boa tarde.Gostei saber noticias do Dimitri eu andei com êle ao colo,mas não mais soube noticias deles trabalhei com o pai Dr Basilio na altura houve muitas confusões e não mais soube o que se passou,tenho pena êle não ter deixado contacto.Muito obrigada.Cumprimentos
Maria Branca
Maria Branca,
Há mais de um mês que lhe devo uma resposta.
Obrigado pela sua visita!
Pois é, foi uma pena o Dimitri não nos ter deixado aqui o seu contacto.
Tinha tantas perguntas para lhe fazer...
Um beijinho e até sempre.
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