Do Largo do Município até à Praça da Índia - V
Prédio Argus - A Garagem dos Machimbombos!
5.ª Parte
- Pronto, pronto, meus amigos! Temos que continuar, não podemos ficar aqui eternamente parados ao pé do Cinema S.Jorge. Estamos muito atrasados, temos que continuar! - disse o Luís Paula Campos, atrapalhado com os papéis do plano da viagem e o telemóvel na mão esquerda; isto para não falar dos binóculos de infravermelhos, dos óculos de sol e da máquina fotográfica digital que trazia ao pescoço e da câmara de vídeo que levava na mão direita. - Venham ver onde eu nasci. Estão a ver aquela casa velhinha, mesmo, mesmo, ali ao lado da garagem dos machimbombos, estão?! Pois foi ali que eu nasci. Eram ali as instalações da antiga Casa de Saúde da Beira - afirmou ele muito exaltado e perdendo, por uns intantes, aquela postura um pouco severa que é sua característica, mais fruto da sua formação profissional do que da sua maneira de ser. - Venham, venham, que eu quero lá ir tirar umas fotografias e filmar aquilo tudo - continuou o Luís, até que reparou em algo estranho. - Ó Paulo, o que é que estás a fazer aí em cima da árvore? - exclamou ele, olhando arreliado para o Paulo Barreto (o qual tinha trepado para o cimo de uma árvore), até que deu de caras com o olhar grave e sério da Odília que, encostada ao tronco, esperava que o Paulo descesse. O Luís não pôde evitar soltar uma gargalhada e foi logo perfurado pelo olhar faiscante da Odília.
- Quem nasceu ali primeiro, na Casa de Saúde, fui eu, graças ao senhor doutor Arez da Silva, porque sou mais velho que tu, bem feito! - afirmou o Gonzaga todo contente, usando uma camisa com flores vermelhas que tinha comprado quando da sua última "tournée" musical ao Hawai e de chupa-chupa na mão.
- Já agora posso dizer-vos que também eu nasci ali - afirmou o Nani Palhares, com um ar entre o pensativo e o nostálgico, à medida que cofiava vagarosamente a barba.
E lá fomos em grande algazarra em direcção às antigas instalações da Casa de Saúde da Beira, a qual ficava juntinho ao Prédio Argus, cujo rés-do-chão era ocupado por uma das garagens dos transportes colectivos da Beira e, por isso, era também chamado de Prédio da Garagem dos Macimbombos.
Não deixou de haver quem se lembrasse dos manos Veludo, nossos colegas e amigos, que habitaram naquele prédio. Também houve quem recordasse as amigas e os amigos que moraram ali nos Prédios da Administração Civil ou perto deles, mesmo em frente ao Campo de Golfe da Beira: a Ana Maria Metelo, os manos Pinto Ferreira, o Carlos Heitor Neves (CHN) e os irmãos, o Adalberto Fenton, os manos Saraiva de Moura, os manos Meireles, os manos Roueff... Embora fosse noite, olhámos e recordámos as aventuras vividas por muitos de nós naquele Campo de Golfe da Beira, o qual chegou a ser considerado um dos melhores de África, devido ao seu enquadramento e à sua grande extensão. Resolvemos só retomar a avenida que ligava a Praça Almirante Reis (onde se situava o cinema S. Jorge) à Praça da Índia, dois quarteirões mais à frente, de modo a podermos passar junto às instalações da Acção Católica da Beira e do Episcopado, a residência do bispo. Viramos no Prédio Argus (ver foto) para a direita e, com o campo de golfe à nossa esquerda, fomos pelo passeio até à esquina seguinte, onde se situavam as instalações da Acção Católica da Beira.
Quantas recordações, meu Deus! Tantos de nós tínhamos ali frequentado a JEC ( Juventude Escolar Católica), a JOC (Juventude Operária Católica), a JUC (Juventude Universitária Católica) e o CNE (Corpo Nacional de Escutas). Os bailes dos Santos Populares e os de passagem de ano que ali se realizaram e onde muitos de nós, pela primeira vez, usamos calças compridas e sentimos nos braços o tremer do corpo de uma menina... Do outro lado do passeio, o Espicopado da Beira - a residência do bispo da cidade da Beira - onde até Janeiro de 1967 viveu esse homem singular que foi o seu primeiro bispo: D.Sebastião Soares de Resende. * ( Ver link em roda-pé!)
Retomada de novo a avenida principal, fomos quase dar em frente à casa do José Roca, uma casa tipicamente colonial, ao fundo do jardim, assente em pilares. Ao passarmos por ela pareceu-me ver toda a família Roca a acenar-me e, o mais estranho, é que eu estava ao lado deles, dizendo adeus a mim próprio: eu com seis, com sete, com oito anos... dizia adeus a mim proprio!
Um pouco mais à frente passámos pela nova Residência do Governador Civil da Beira e, uns metros depois, finalmente, chegámos à Praça da Índia. Foi a loucura total com todos nós a corrermos para a praia e para a água, deixando cair pelo caminho, na areia, os objectos que levávamos nas mãos. Há trinta e dois anos que não abraçávamos o Índico, esse mar que, pelo menos na Beira, nem sequer era assim tão salgado, mas antes cálido e doce...
Os autocarros que estavam à nossa espera há mais de uma hora, para nos levar de volta para o Hotel Embaixador, faziam soar as buzinas. Todos molhados, mas com a felicidade de crianças estampada nos rostos, lá nos dirigimos, contrafeitos, para o transporte que nos iria conduzir ao hotel. Mas não pensem que foi fácil meter todos os amigos no autocarro...
- Ó Luís! - gritava agora o Paulo Barreto. - Para onde pensas que vais, meu?! - perguntava-lhe ainda o Paulo.
- Eu não saio daqui sem ir ver a minha casa que é já ali no Bairro das Palmeiras.
- E eu sem ir até ao Macúti - anunciou o Jorge Cortez.
- Quem já não sai daqui sou eu - dizia o Gonzaga, acompanhado pelo Costinha e pelo Cruz Sonap, à entrada da rua da vala, por onde se podia ir para o Liceu e para a Escola...
Eu, já no autocarro, olhei para a parte da marginal que dali dava acesso ao Oceana e ao Jardim do Bacalhau e vi a Maria Manuel, comigo pela mão - ela com nove anos e eu com seis. Ambos me acenavam e sorriam, em câmara-lenta...
FIM
Manuel Palhares
Odivelas, 18 de Maio de 2006.
* http://www.oecumene.radiovaticana.org/por/Articolo.asp?c=77183
6 Comments:
Olá Palhares,
Já recordei na Beira um belo pedaço.Agora é só pra te dizer que tenho pena que o nosso passeio tenha chegado ao fim, mas vamos combinar que vai continuar pelo Macuti, Manga, Munhava, Maquinino, Esturro, etc.
Um beijo pra ti e tudo de BOM
MManuel
Manel
Finalmente na Praça da India. Deixa a malta gozar todos os bocadinhos. Os machimbombos aguardam mais um bocado. Espero que o FIM seja só da chegada ao Veleiro.
Um abraço
M.Costa
Maria Manuel,
Olá, boa tarde!
Fica combinado que mais tarde daremos outros passeios.
No site da Beira falas em pessoas que eram amigas dos meus pais, como os Ivos e os D'Espiney.Que saudades!
Um bom fim-de-semana e um beijinho,
Manel
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Costinha,
É verdade! Parecia que nunca mais lá chegávamos. Por agora tem que haver um intervalo nos passeios para não cansar os amigos.
Um bom fim-de-semana e um abraço,
Manel
Isabel,
Olá, boa tarde!
Já estou melhor, obrigado. Choveu um pouco e os pólenes desapareceram por agora.
Qualquer dia voltamos a passear.
Um beijinho,
Manel
Coca-Cola,
Tudo bem, obrigado, minha amiga.
Ando um pouco reflectivo sobre o que se tem passado nas comunidades, sobre a qualidade dos temas aí versados e sobre a idade de quem os publica. Só isso.
Obrigado pela tua visita, um bom fim-de-semana e um beijinho,
Manel
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Laura-Lara,
Haverá mais passeios mas, por agora, tenho que deixar os amigos descansarem porque o passeio foi grande e a pé.
Obrigado pela visita, um bom fim-de-semana e um beijinho,
Manel
Embora tivesse nascido em Lourenço Marques, vivi mais tempo na Beira e também estive 2 anos em Quelimane na pré-primária e 1ª. classe do antigo ensino primário. Na Beira, a última localidade onde vivi foi na Ponta-Gêa, mesmo em frente à garagem e bomba de gasolina da Scania Camiões (antes da Scania parece que estavam lá camionetas de longo curso, não me lembro bem), depois de ter estado também na Praça da Índia (bairro lá muito perto) e em Matacuane, onde fiz o resto da instrução primária. Depois fui para o liceu Pêro da Naia. Já com os meus 7 ou 8 anos de idade, ia de vez em quando ao Oceana com os meus pais comer aqueles petiscos maravilhosos oferecidos quando se pedia cerveja e só se pagavam estas. O Grande Hotel a 300 metros da minha casa, já desativado mas ainda em bom estado. Também me lembro bem da primeira vez que fui ao cinema, no cinema São Jorge e da fábrica da Coca-Cola (já um pouco fora da cidade), que visitei uma vez com o meu pai. O clima, a noção de espaço, as praias (praia do Macuti em especial), as pessoas, enfim uma meninice e princípio de adolescência com muito boas recordações. Estive na cidade da Beira até dia 10 de Junho de 1975. Nesta mesma data, viajei para Portugal Continental para nunca mais voltar.
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