Beira Meu Amor

A Beira foi o grande amor da minha vida. Recebeu-me com seis anos, em Novembro de 1950 e deixei-a, com a alma em desespero e o coração a sangrar, em 5 de Agosto de 1974. Pelo meio ficaram 24 anos de felicidade. Tive a sorte de estar no lugar certo, na época certa. Fui muito feliz em Moçambique e não me lembro de um dia menos bom. Aos meus pais, irmão, outros familiares, amigos e, principalmente, ao Povo moçambicano, aqui deixo o meu muito obrigado. Manuel Palhares

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Localização: Odivelas, Lisboa, Portugal

domingo, janeiro 29, 2006

Minha Terra, Minha Mãe

Trago tanta saudade...
Aqui escondida no peito...
Dessa terra especial...
Abraçou-me e beijou-me
Logo ali, mesmo à chegada
Tratou de mim, aconchegou-me
Como se fosse cria perdida
No caminho, na estrada...
Amorteceu minhas quedas
Tornando-se macia e mole
E, quando não podia evitar,
Lavava-me as feridas com mágoa
Lavava-me com suas águas.
Viu-me crescer a brincar
Mesmo ali ao pé do mar...
De menino a rapazote
Aquilo foi um instante
Foi assim quase de repente.

Conheci e explorei todos os seus bairros
Conheci e brinquei em todos os seus sítios:
Aruângua, que era a Baixa,
Assim como o Maquinino.
Mais para a frente era o Esturro
E depois Matacuane...
Dali ia-se à Chota
E num saltinho à Munhava.
Lá mais longe era a Manga
Com seus lugares de encantar:
O Six-Miles e o Savane,
O Régulo Luís e o Inhangau.
Mas voltando mais para o centro
Só me falta mencionar:
Esse lindo Macúti e o seu enorme farol
Essa mágica Ponta Gea, da Praça da Índia à praia dos pinheiros.

Sempre doce e acolhedora
Naquele seu jeito, protectora
Foi vendo e observando
O rumo que eu ia levando.
Afagou-me nas tristezas
Dos dias menos felizes,
Abraçou-me junto ao peito
Quando eu triste e desfeito,
Entrava naquelas paixões
De moer e arrasar corações.

Cheguei à maior idade...
Era adulto, quase um homem
E dela apeteceu-me partir.
Quis ir embora
Ir para longe...
Conhecer terras diferentes
Outros sítios, outras gentes.
Mas que tonto, mas que ingrato
Quando pensava assim!
Então não é que eu não via
Que não podia viver
Sem ela juntinho a mim?!
E depois de tanto andar
Por esse mundo sem fim
Depois de me saciar...
Voltei para ela de novo
Farto de tanta maldade
Farto de tanta crueldade.
Voltei e agarrei-me a ela
Num abraço imenso, apertado
Todo feito de saudade...

Falei de Moçambique em verso
E falei dos seus lugares...
Mas falar de ti só consigo
Com palavras gastas, vulgares.
Procuro palavras caras e difíceis
Para te poder descrever...
Mas não consigo encontrar,
Nem no verso, nem na rima,
Palavras para o fazer...
Palavras para te poder cantar.
Nenhumas são suficiente belas e dignas
Capazes de te elogiar.
E esta dificuldade...
Que tanto mal me tem feito
Deixa-me aqui uma dor
Do lado esquerdo do peito.
Ó Deus meu, porque será,
Que sofrendo desta paixão
Não consigo que se abra
Este pobre coração?
Ajuda-me Senhor,
Te rogo, Te imploro,
Prometo ficar-Te grato!
Liberta-me de toda esta dor
Eu quero gritar Senhor
Ó meu Deus, Ó Senhor nosso,
Quero gritar e não posso!
Vem em minha protecção
Ajuda-me, ajuda este coração
Já tão velho e tão cansado...
Custa-me respirar, falta-me o ar,
Sufoco!...
Tenho que gritar o seu nome
Para poder aliviar...

Ó minha querida,
Ó minha amada,
Ó minha Terra, Ó minha Mãe!
Deixa-me por um instante sonhar,
Estou tão cansado...
Quero voltar a pisar o teu solo.
Deixa-me descansar, estou com sono
Quero fechar os olhos
Dormir outra vez no teu colo!
Não me acordes que já estou a sonhar
Não me acordes mais deste sono
Deixa-me dormir para sempre...
Ah! Finalmente encontro paz!
Que bom!...Que bom!...
Eu sei, é porque voltei de novo...
Estou outra vez perto de ti
Estou outra vez à tua beira.
Ah! Que felicidade!...
Como é bom mudar o destino,
Mesmo que seja a fingir!
Isso, minha querida,
Afaga-me os cabelos,
Como fazias quando eu era criança,
Lava-me outra vez as feridas...
Isso!... isso... que bom!
Ó meu Deus, obrigado...
Por te dar tanta canseira,
Já estou de novo na Beira!


Manuel Palhares

Odivelas, 26 de Julho de 2005.

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