Um Conto de Natal
Meus caros amigos,
A acção passou-se em Moçambique, na cidade da Beira, a meio da avenida que liga o cinema S. Jorge à Praça da Índia, na década de cinquenta, do século passado.
Eu e o meu amigo Zé Roca, dos seis, até aos quinze, dezasseis anos de idade, éramos razoavelmente educadinhos, mas terríveis para a asneira e, se um se lembrava de juntar palha para a fogueira, o outro já estava de fósforo aceso. Foram muitas as asneiras em que colaborámos: terrestres, aquáticas e aéreas! Como estamos vivos, ainda hoje é um mistério, pois tais eram as asneiras que fazíamos, algumas delas bastantes perigosas.
Vem tudo isto a propósito de uma patifaria e vingança que fizemos aos gatos siameses lá de casa, os preferidos da sua avó e da sua mãe : a senhora D. Lucília Roca e a senhora D. Berta Roca, respectivamente.
Como depois do almoço estava muito calor, ficávamos dentro de casa a ouvir música e a brincar, ora a treinar piriquitos, ora a domesticar hamsters. Como já vos disse, lá em casa havia gatos siameses, os quais estavam sempre de olho faiscante, quer nos pássaros, quer nos ratos e nós sempre a afugentá-los ao ponta-pé, isto se a avó ou a mãe do Roca não estivessem por perto, claro.
Acontece que estávamos nós, um certo dia, a brincar com um dos hamsters, quando um dos gatos salta para cima da mesa onde decorria a brincadeira. Foi grande a confusão, como podem calcular e, depois de tudo acalmar, o rato estava morto - tinha morrido de ataque cardíaco! A nossa vontade foi, logo ali, reclamar vingança e matar os gatos à paulada ou à chumbada, com a espingarda de chumbo que o meu amigo tinha. Mas, a presença um tanto ou quanto divertida da avó e da mãe do meu amigo, impediram-nos de levar a cabo o nosso desiderato. Espumando de raiva, lá fomos fazer o funeral ao ratinho e a coisa naquele dia ficou por ali.
Passados uns dias, perto do Natal, julgo eu, estavam a avó e a mãe do Roca a dormir a sesta, quando tivemos uma brilhante e divertida ideia: proporcionar aos nossos inimigos gatos, uma aula de patinagem, no soalho impecavelmente encerado das salas de estar e de jantar lá de casa.
Se melhor o pensámos, mais depressa passámos à prática. Fomos até à despensa buscar umas nozes, abrimo-las ao meio com muito cuidado, tiramos de lá de dentro as nozes, que entretanto íamos comendo e, assim, obtivemos oito meias-nozes, que seriam os patins dos bichanos nossos inimigos. Conseguidos então os patins, chamámos, com todo o encanto de que fomos capazes, os bichanitos, com falsos "bichus", "bichus". Os gatos (que sempre desconfiram de nós), diga-se em abono da sua felina inteligência, lá vieram no engodo de bocaditos de queijo. Cada um de nós apanhou o seu gato e, quando deram por ela, estavam com meia casca de noz em cada pata. Depois, foi só deixar que saltassem para o chão. Aquilo é que foi divertido, vê-los a tentarem por-se em pé e a espalmarem-se no soalho, a brilhar de tão encerado que estava. Nós, agora, espumávamos, mas era de satisfação, por ver as cenas que os gatos faziam para se porem direitos e ouvir os miados, bufos e ruídos esquisitos que emitiam. Estávamos nós assim tão divertidos, quando as nossas orelhas acabaram nas mãos da avó e mãe do Roca, enquanto um criado tentava tirar as cascas de nozes das patas dos gatos, sem ser mordido ou arranhado.
No Natal, a prenda que a avó do Roca me deu, foi um livro e um "gato-salcicha", em porcelana, para eu nunca mais me esquecer da maldade que fizéramos.
Manuel Palhares
Odivelas, 11 de Novembro de 2006.
A acção passou-se em Moçambique, na cidade da Beira, a meio da avenida que liga o cinema S. Jorge à Praça da Índia, na década de cinquenta, do século passado.
Eu e o meu amigo Zé Roca, dos seis, até aos quinze, dezasseis anos de idade, éramos razoavelmente educadinhos, mas terríveis para a asneira e, se um se lembrava de juntar palha para a fogueira, o outro já estava de fósforo aceso. Foram muitas as asneiras em que colaborámos: terrestres, aquáticas e aéreas! Como estamos vivos, ainda hoje é um mistério, pois tais eram as asneiras que fazíamos, algumas delas bastantes perigosas.
Vem tudo isto a propósito de uma patifaria e vingança que fizemos aos gatos siameses lá de casa, os preferidos da sua avó e da sua mãe : a senhora D. Lucília Roca e a senhora D. Berta Roca, respectivamente.
Como depois do almoço estava muito calor, ficávamos dentro de casa a ouvir música e a brincar, ora a treinar piriquitos, ora a domesticar hamsters. Como já vos disse, lá em casa havia gatos siameses, os quais estavam sempre de olho faiscante, quer nos pássaros, quer nos ratos e nós sempre a afugentá-los ao ponta-pé, isto se a avó ou a mãe do Roca não estivessem por perto, claro.
Acontece que estávamos nós, um certo dia, a brincar com um dos hamsters, quando um dos gatos salta para cima da mesa onde decorria a brincadeira. Foi grande a confusão, como podem calcular e, depois de tudo acalmar, o rato estava morto - tinha morrido de ataque cardíaco! A nossa vontade foi, logo ali, reclamar vingança e matar os gatos à paulada ou à chumbada, com a espingarda de chumbo que o meu amigo tinha. Mas, a presença um tanto ou quanto divertida da avó e da mãe do meu amigo, impediram-nos de levar a cabo o nosso desiderato. Espumando de raiva, lá fomos fazer o funeral ao ratinho e a coisa naquele dia ficou por ali.
Passados uns dias, perto do Natal, julgo eu, estavam a avó e a mãe do Roca a dormir a sesta, quando tivemos uma brilhante e divertida ideia: proporcionar aos nossos inimigos gatos, uma aula de patinagem, no soalho impecavelmente encerado das salas de estar e de jantar lá de casa.
Se melhor o pensámos, mais depressa passámos à prática. Fomos até à despensa buscar umas nozes, abrimo-las ao meio com muito cuidado, tiramos de lá de dentro as nozes, que entretanto íamos comendo e, assim, obtivemos oito meias-nozes, que seriam os patins dos bichanos nossos inimigos. Conseguidos então os patins, chamámos, com todo o encanto de que fomos capazes, os bichanitos, com falsos "bichus", "bichus". Os gatos (que sempre desconfiram de nós), diga-se em abono da sua felina inteligência, lá vieram no engodo de bocaditos de queijo. Cada um de nós apanhou o seu gato e, quando deram por ela, estavam com meia casca de noz em cada pata. Depois, foi só deixar que saltassem para o chão. Aquilo é que foi divertido, vê-los a tentarem por-se em pé e a espalmarem-se no soalho, a brilhar de tão encerado que estava. Nós, agora, espumávamos, mas era de satisfação, por ver as cenas que os gatos faziam para se porem direitos e ouvir os miados, bufos e ruídos esquisitos que emitiam. Estávamos nós assim tão divertidos, quando as nossas orelhas acabaram nas mãos da avó e mãe do Roca, enquanto um criado tentava tirar as cascas de nozes das patas dos gatos, sem ser mordido ou arranhado.
No Natal, a prenda que a avó do Roca me deu, foi um livro e um "gato-salcicha", em porcelana, para eu nunca mais me esquecer da maldade que fizéramos.
Manuel Palhares
Odivelas, 11 de Novembro de 2006.
9 Comments:
Espectacular ! Adorei ler este blog, muito bom...
Ângela,
Muito obrigado pela sua visita e pelas suas amáveis palavras.
Um bom domingo para si.
Um beijinho,
Manuel Palhares
Manel
Safaram-stae porque ainda não havia a Sociedade Protectora dos Animais...
Um abraço para ti outro para o Roca.
M.Costa
Costinha, meu amigo,
Ah!Ah!Ah! É verdade!
Com o Roca, falo por vezes pelo Skype.
Um abraço,
Manel
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Isabelita, minha amiga,
Mas eu era terrivelmente traquina naquela idade! Já não há nada a fazer e espero poder contar mais umas patifarias que fiz.
Ainda bem que foste maria-rapaz e pudeste gozar e brincar com os teus bichinos. Os nossos filhos e netos, já só conhecem os bichos pela TV.
Um beijinho para ti,
Manel
Isabel,
Como é bom ler-te e poder recordar contigo a meninice do teu filho cá em Portugal e a tua lá, em Moçambique.
Que saudades de todos esses bichos de que falas e que fazem parte do nosso imaginário...
Ainda hoje gosto de lagartixas e de osgas e que úteis que eram.
Um muito bom fim-de-semana para ti e para o Jerónimo.
Um beijinho,
Manel
Palhares, no girassol tens champanhe, bolo, ou seja, Festa!
Conto 1 ano e festejo o acontecimento...
Bjs
Olá ABzita!
Um ano,já?! É obra! Parabéns!
Se há festa, tenho que lá ir. Eu adoro festas!
Obrigado pela visita.
Um beijinho e até ao teu Girassol,
Manel
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Isabel,
Olá!
Obrigado pela visita e pelo lindo poema do Mário Cesariny.Com ele, fazes aqui uma linda homenagem ao principal representante do surrealismo português,agora que nos deixou.
E, já agora, deixo-te com isto:
poema
"Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura"
Um beijinho,
Manel
Ola Maneliiii
Ja tinha lido, mas com a preguiça e akelas minhas ferias, nao deu para escrever antes....
Com ke entao, o menino tambem tinha as suas creatividades e recreações...hum....malvadas! E eu a pensar ke ele era um menino exemplar! Olha a SPAnimais!Mas entao isso faz-se a bichihos tao queridos?
Olha nessa altura, ja fazias maldades a melgas e moskitas, já?
Heheheheh
Beijao, amigo
S.A(B)
Bianita,
Ah!Ah!Ah!
Naquela altura eu ainda não as "ia vê-las", de modo que tinha que me entreter com alguma coisa, não é?! Só anos mais tarde é que as melgas me começaram a cantar coisas lindas.
Um beijinho para ti,
Manel
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